A espantosa candidatura do embaixador brasileiro em Genebra, Roberto
Carvalho de Azevedo, ao posto de secretário geral da OMC é o equivalente a
construir uma arapuca e meter-se voluntariamente dentro dela.
J. Carlos de Assis
12/03/2013 – Carta Maior
Desde o aborto provocado do acordo da Alca, o Brasil jamais esteve ao
ponto de sacrificar tantos interesses econômicos específicos e perspectivas
concretas de avançar no seu processo de desenvolvimento do que com a espantosa
candidatura de seu embaixador em Genebra, Roberto Carvalho de Azevedo, ao posto
de secretário geral da OMC-Organização Mundial do Comércio. É o equivalente a
construir uma arapuca e meter-se voluntariamente dentro dela.
Para os que não estão familiarizados com o
tema, a OMC é o órgão supremo de promoção e doutrinação do livre comércio no
mundo. O instrumento para isso é o rebaixamento generalizado de barreiras
tarifárias ou não tarifárias, reduzindo ou eliminando a proteção à indústria
nacional. Por certo que isso pode justificar-se entre países com estruturas
produtivas e tecnológicas similares. Para os tecnologicamente atrasados é um
desastre anunciado de produção, emprego qualificado e renda.
A Alca pretendia ser um
tratado de livre comércio entre os países das Américas, fechando o cerco sobre
o México iniciado com o Nafta (América do Norte). Foi abortado pelo sábio
instinto de preservação do presidente Lula, sob o conselho criterioso do
ministro Celso Amorim e do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, então
secretário geral do Itamarati. Imaginem, só por um instante, o que seria da
estrutura industrial brasileira se produtos manufaturados norte-americanos
viessem a entrar aqui sem proteção tarifária!
A despeito da obviedade
– não estamos preparados tecnologicamente para o livre comércio –, não foi uma
decisão fácil. O então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, não só era
favorável à Alca, como se propôs chefiar um grupo de trabalho para acelerar as
negociações com vistas a destravar o processo. Disse isso ao secretário do
Comércio norte-americano e ao embaixador dos Estados Unidos na presença de
Lula, mas o presidente se manteve mudo, até decidir o contrário.
Agora, não se sabe de
quem partiu a iniciativa da candidatura do Brasil à Secretaria Geral da OMC.
Pelo que soube, o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, foi
tomado de surpresa. Sabe-se também que o assessor especial Marco Aurélio Garcia
não se mostrou favorável à ideia. Tudo indica que a decisão veio de fora,
talvez da parte do próprio embaixador Azevedo buscando apoio junto a figuras
ministeriais próximas da presidenta Dilma e alguns senadores.
Vejamos agora o
significado exato disso do ponto de vista político. O Brasil, representado por
Azevedo, tem tido um posição ambígua na OMC. Atende principalmente ao lobby do
agronegócio postulando a redução das barreiras agrícolas dos Estados Unidos e
da União Europeia, sinalizando, em troca, com concessões de significado
econômico muito maior. Estamos colocando como moeda de troca, nessa negociação,
a liberação para concorrentes internacionais das compras governamentais, da
área de serviços e das tarifas em áreas consideradas estratégicas para a
produção interna (tarifa de até 35%, como a recentemente adotada pelo governo
para uma lista de 100 produtos industriais).
Os Estados Unidos, por
proposta do presidente Obama, abriram um processo de negociação de livre
comércio com a União Europeia. É natural que a Europa aceite isso, pois, embora
tenha uma defasagem tecnológica com os Estados Unidos, ela não é tão grande ao ponto
de inviabilizar a concorrência com produtos norte-americanos. Entretanto, o
Brasil já é grande o suficiente para aparecer como um mercado apetitoso. E é
nesse contexto que a candidatura Azevedo surge como uma quinta coluna para nos
forçar ao livre comércio.
Os outros candidatos são
Gana, Costa Rica, Quênia, Jordânia, Indonésia, Nova Zelândia, Coreia do Sul e
México. Os quatro primeiros são irrelevantes e os demais são economias
emergentes que não oferecem grandes mercados. Calculem quem é mais interessante
para os Estados Unidos e a Europa? Um secretário geral da OMC tem o dever de
ofício de defender a doutrina livre-cambista, uma vez que isso está
cristalizado na estrutura da instituição. E seria muito difícil para o Governo
brasileiro, que pelo simples gesto de sancionar a candidatura adere
indiretamente ao livre-cambismo, não seguir a linha ditada pelo seu embaixador.
A propósito do
livre-cambismo, leiam o coreano Ha-Joon Chang, em seu “Chutando a Escada”. Vou
resumir: todos os países hoje desenvolvidos, sem exceção, foram protecionistas
em sua fase de decolagem. E todos os países que se tornaram desenvolvidos com
sistemas de proteção à produção interna tornaram-se depois disso
livre-cambistas!