quarta-feira, 6 de março de 2013

Para que serve a Geografia?



Para que serve a Geografia?
Demétrio Magnoli e Regina Araújo
O tempo pode ser visto como uma seta, uma linha formada por infinitos pontos, que tem uma direção. Cada lugar do mundo tem um endereço nessa linha, pois sua origem pode ser datada. Os geógrafos físicos datam os lugares estudando a idade de suas camadas rochosas. A natureza artificial também pode ser datada pelo estudo dos objetos técnicos que a constituem. A velha ferrovia que cruza o quadrante leste da cidade assinala um tempo, um “instante” do passado. O feixe de cabos de fibra ótica enterrado sob o canteiro central da avenida assinala outro tempo: é uma marca da “revolução da informação” contemporânea.
O espaço pode ser representado com a ajuda da rede de coordenadas geográficas. Cada lugar do mundo tem um endereço nessa rede, definido por sua posição latitudinal e longitudinal. Mas, no espaço globalizado contemporâneo, todos os lugares estabelecem relações com o mundo inteiro. Na economia de fluxos, cada um dos lugares interage com todos os outros. Os frangos decapitados na granja da cidade são consumidos do outro lado do planeta. As sementes plantadas na fazenda próxima foram produzidas em um país distante, nos laboratórios de uma corporação transnacional. As telefonistas que falam inglês empregadas numa metrópole da Índia fazem reservas para clientes de uma companhia aérea na Austrália.
Cada lugar do mundo tem um endereço no tempo e no espaço. Mas os endereços não são fixos. Sob a ação das sociedades, os lugares se “modernizam” ou se “atualizam” quando, por exemplo, cabos de fibra ótica são enterrados sob os trilhos da velha ferrovia em desativação. Os lugares não mudam de posição, mas mudam de função quando, por exemplo, recebem um novo investimento e tornam-se um centro produtivo de motores ou de automóveis.
A “natureza selvagem” foi largamente substituída pela “natureza artificial”, expelida da maior parte da superfície do planeta, cercada e comprimida pelo avanço incessante dos objetos técnicos e cibernéticos construídos pelas sociedades. Mas os processos naturais não foram e não podem ser abolidos. A energia do interior da Terra continua a pressionar e modificar a crosta. A energia solar, reciclada pela atmosfera, continua a aquecer a superfície, provocar ventos, evaporar e condensar a água. As cheias dos rios geram enchentes. A erosão das encostas gera movimentos de terra e desabamentos. As secas prolongadas matam as plantas cultivadas. As águas correntes transportam os sedimentos e também os detritos da atividade humana. As construções humanas assentam-se sobre um substrato biofísico que não é inerte, mas ativo.
O espaço geográfico é formado por essa trama de objetos, pelos fluxos que neles se apóiam e os transformam e pelo substrato biofísico. Ele pode ser comparado a um texto, escrito em parte pelos seres humanos e em parte pelos processos naturais. Mas nossos sentidos, principalmente a visão, captam uma dimensão ou um recorte do espaço: uma paisagem. Essa “fotografia” corresponde às letras e palavras visíveis de uma escritura cheia de sinais invisíveis, impressos em tinta mágica. A Geografia é o saber indispensável para a leitura do texto inteiro, isto é, de seus fragmentos visíveis e invisíveis, e, ainda, das relações de significado existentes entre eles.

A Paisagem
Eustáquio de Sene e João Carlos Moreira
Quando observamos uma paisagem, seja ela de um local cujas condições naturais estão preser­vadas, ou do centro de uma grande cidade, podemos assumir uma postura meramente contemplativa, considerá-la feia ou bonita, tranquila ou agitada. A forma como as paisagens se apresentam aos nos­sos olhos nos permite interpretar heranças do passado, tentar entender o presente e propor ações com vistas a melhorar o futuro.
Ao compararmos paisagens de lugares diferentes - rios e praias limpos ou poluídos, matas pre­servadas e áreas desmatadas, impactos ambientais provocados por diferentes tipos de indústrias e prá­ticas agrícolas, etc., podemos avaliar e criticar o resultado da ação humana sobre o espaço, pois ela es­tá impressa na paisagem.

Leia, a seguir, trechos de duas obras do geógrafo Milton Santos em que expõe um dos conceitos de paisagem para a geografia. O segundo aborda a distinção entre paisagem e espaço. Perceba que as pessoas, por serem diferentes, possuírem formações diversas, enxergam as coisas que as cercam cada qual à sua maneira.
Paisagem, o que é?
Milton Santos
          Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc. (... )
       A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos. Por isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa apreensão, pelo fato de que toda nossa educa­ção, formal ou informal, é feita de forma seletiva, pessoas diferentes apresentam diversas versões do mesmo fato. Por exemplo, coisas que um arquiteto, um artista veem, outros não podem ver ou o fazem de maneira distinta. Isso é válido, também, para profissionais com diferente formação e para o homem comum.
A percepção é sempre um processo seletivo de apreensão. Se a realidade é apenas uma, cada pessoa a vê de forma diferenciada; dessa forma, a visão pelo homem das coisas materiais é sempre de­formada. Nossa tarefa é a de ultrapassar a paisagem como aspecto, para chegar ao seu significado. A percepção não é ainda o conhecimento, que depende de sua interpretação e esta será tanto mais vá­ lida quanto mais limitarmos o risco de tomar por verdadeiro o que é só aparência.
(... )
A paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos, substituições; a lógica pela qual se fez um objeto no passado era a lógica da produção daquele momento. Uma paisagem é uma es­crita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de mui­tos diferentes momentos. (...).

A distinção entre paisagem e espaço
Milton Santos
Paisagem e espaço não são sinônimos. A paisagem é o conjunto das formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima.
(... )
       Durante a Guerra Fria, os laboratórios do Pentágono chegaram a cogitar da produção de um engenho, a bomba de nêutrons, capaz de aniquilar a vida humana em uma dada área, mas preser­vando todas as construções. O presidente Kennedy afinal renunciou a levar a cabo esse projeto. Senão, o que na véspera seria ainda o espaço, após a temida explosão seria apenas paisagem. Não temos melhor imagem para mostrar a diferença entre esses dois conceitos.

PARA PENSAR GEOGRAFICAMENTE
1.        Cite exemplos de desastres naturais recentes em nosso território (Brasil) que atestam a afirmação do autor: “As construções humanas assentam-se sobre um substrato biofísico que não é inerte, mas ativo.”.
2.     Descreva lugares em São Caetano do Sul que possam justificar a seguinte afirmação: “Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos”.
3.        Pesquisa definições para os seguintes elementos (categorias) do espaço geográfico: LUGAR, TERRITÓRIO e REGIÃO.
4.     Pesquisar imagens de objetos urbanos (casas, monumentos, pontes, praças etc) que representam uma paisagem de acordo com a afirmação:  “herança de diferentes momentos”. (histórica) Enviar uma foto por email

TERRITÓRIO: é uma  porção do espaço delimitada pelo Estado (governos) que exercem controle (soberania) sobre eles, também pode ser uma área não oficializada, não rigidamente delimitada com os territórios das gangues de criminosos, territórios de grupos indígenas, território religioso (as quadras dos prédios da igreja na cidade de Aparecida).
REGIÃO: porção do espaço que se diferencia das outras por suas características especificas (econômicas, culturais, políticas, naturais).