Para que serve a Geografia?
Demétrio Magnoli e Regina Araújo
O tempo pode ser visto
como uma seta, uma linha formada por infinitos pontos, que tem uma direção.
Cada lugar do mundo tem um endereço nessa linha, pois sua origem pode ser
datada. Os geógrafos físicos datam os lugares estudando a idade de suas camadas
rochosas. A natureza artificial também pode ser datada pelo estudo dos objetos
técnicos que a constituem. A velha ferrovia que cruza o quadrante leste da
cidade assinala um tempo, um “instante” do passado. O feixe de cabos de fibra
ótica enterrado sob o canteiro central da avenida assinala outro tempo: é uma
marca da “revolução da informação” contemporânea.
O espaço pode ser
representado com a ajuda da rede de coordenadas geográficas. Cada lugar do
mundo tem um endereço nessa rede, definido por sua posição latitudinal e
longitudinal. Mas, no espaço globalizado contemporâneo, todos os lugares
estabelecem relações com o mundo inteiro. Na economia de fluxos, cada um dos
lugares interage com todos os outros. Os frangos decapitados na granja da
cidade são consumidos do outro lado do planeta. As sementes plantadas na
fazenda próxima foram produzidas em um país distante, nos laboratórios de uma
corporação transnacional. As telefonistas que falam inglês empregadas numa
metrópole da Índia fazem reservas para clientes de uma companhia aérea na
Austrália.
Cada lugar do mundo tem
um endereço no tempo e no espaço. Mas os endereços não são fixos. Sob a
ação das sociedades, os lugares se “modernizam” ou se “atualizam” quando, por
exemplo, cabos de fibra ótica são enterrados sob os trilhos da velha ferrovia
em desativação. Os lugares não mudam de posição, mas mudam de função quando,
por exemplo, recebem um novo investimento e tornam-se um centro produtivo de motores
ou de automóveis.
A “natureza selvagem” foi largamente substituída pela “natureza
artificial”, expelida da maior parte da superfície do planeta, cercada e
comprimida pelo avanço incessante dos objetos técnicos e cibernéticos
construídos pelas sociedades. Mas os processos naturais não foram e não podem ser abolidos. A energia
do interior da Terra continua a pressionar e modificar a crosta. A energia
solar, reciclada pela atmosfera, continua a aquecer a superfície, provocar
ventos, evaporar e condensar a água. As cheias dos rios geram enchentes. A
erosão das encostas gera movimentos de terra e desabamentos. As secas
prolongadas matam as plantas cultivadas. As águas correntes transportam os
sedimentos e também os detritos da atividade humana. As construções humanas
assentam-se sobre um substrato biofísico que não é inerte, mas ativo.
O espaço geográfico é
formado por essa trama de objetos, pelos fluxos que neles se apóiam e os
transformam e pelo substrato biofísico. Ele pode ser comparado a um texto, escrito
em parte pelos seres humanos e em parte pelos processos naturais. Mas nossos
sentidos, principalmente a visão, captam uma dimensão ou um recorte do espaço: uma
paisagem. Essa “fotografia” corresponde às letras e palavras visíveis de
uma escritura cheia de sinais invisíveis, impressos em tinta mágica. A
Geografia é o saber indispensável para a leitura do texto inteiro, isto é, de
seus fragmentos visíveis e invisíveis, e, ainda, das relações de significado
existentes entre eles.
A Paisagem
Eustáquio de Sene e João Carlos Moreira
Quando observamos uma paisagem, seja ela de um
local cujas condições naturais estão preservadas, ou do centro de uma grande
cidade, podemos assumir uma postura meramente contemplativa, considerá-la feia
ou bonita, tranquila ou agitada. A forma como as paisagens se apresentam aos
nossos olhos nos permite interpretar heranças do passado, tentar entender o
presente e propor ações com vistas a melhorar o futuro.
Ao compararmos paisagens de lugares diferentes -
rios e praias limpos ou poluídos, matas preservadas e áreas desmatadas,
impactos ambientais provocados por diferentes tipos de indústrias e práticas
agrícolas, etc., podemos avaliar e criticar o resultado da ação humana sobre o
espaço, pois ela está impressa na paisagem.
Leia, a seguir, trechos de duas obras do geógrafo
Milton Santos em que expõe um dos conceitos de paisagem para a geografia. O
segundo aborda a distinção entre paisagem e espaço. Perceba que as pessoas, por
serem diferentes, possuírem formações diversas, enxergam as coisas que as
cercam cada qual à sua maneira.
Paisagem, o que é?
Milton Santos
Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão
alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo
que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores,
movimentos, odores, sons etc. (... )
A
dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos. Por
isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa apreensão, pelo fato
de que toda nossa educação, formal ou informal, é feita de forma seletiva,
pessoas diferentes apresentam diversas versões do mesmo fato. Por exemplo,
coisas que um arquiteto, um artista veem, outros não podem ver ou o fazem de
maneira distinta. Isso é válido, também, para profissionais com diferente
formação e para o homem comum.
A percepção é sempre um processo seletivo de
apreensão. Se a realidade é apenas uma, cada pessoa a vê de forma diferenciada;
dessa forma, a visão pelo homem das coisas materiais é sempre deformada. Nossa
tarefa é a de ultrapassar a paisagem como aspecto, para chegar ao seu
significado. A percepção não é ainda o conhecimento, que depende de sua
interpretação e esta será tanto mais vá lida
quanto mais limitarmos o risco de tomar por verdadeiro o que é só aparência.
(... )
A paisagem não se cria de uma só vez, mas por
acréscimos, substituições; a lógica pela qual se fez um objeto no passado era a
lógica da produção daquele momento. Uma paisagem é uma escrita sobre a outra,
é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos
diferentes momentos. (...).
A distinção entre paisagem e espaço
Milton Santos
Paisagem e espaço não são sinônimos. A paisagem é o
conjunto das formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam
as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas
formas mais a vida que as anima.
(... )
Durante
a Guerra Fria, os laboratórios do Pentágono chegaram a cogitar da produção de
um engenho, a bomba de nêutrons, capaz de aniquilar a vida humana em uma dada
área, mas preservando todas as construções. O presidente Kennedy afinal
renunciou a levar a cabo esse projeto. Senão, o que na véspera seria ainda o
espaço, após a temida explosão seria apenas paisagem. Não temos melhor imagem para
mostrar a diferença entre esses dois conceitos.
PARA PENSAR GEOGRAFICAMENTE
1.
Cite exemplos de desastres naturais recentes em
nosso território (Brasil) que atestam a afirmação do autor: “As construções humanas assentam-se sobre um
substrato biofísico que não é inerte, mas ativo.”.
2. Descreva lugares em São Caetano do Sul que possam
justificar a seguinte afirmação: “Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que
têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos”.
3.
Pesquisa definições para os seguintes elementos
(categorias) do espaço geográfico: LUGAR, TERRITÓRIO e REGIÃO.
4. Pesquisar
imagens de objetos urbanos (casas, monumentos, pontes, praças etc) que
representam uma paisagem de acordo com a afirmação: “herança de diferentes momentos”. (histórica)
Enviar uma foto por email
TERRITÓRIO: é
uma porção do espaço delimitada pelo
Estado (governos) que exercem controle (soberania) sobre eles, também pode ser
uma área não oficializada, não rigidamente delimitada com os territórios das
gangues de criminosos, territórios de grupos indígenas, território religioso
(as quadras dos prédios da igreja na cidade de Aparecida).
REGIÃO: porção
do espaço que se diferencia das outras por suas características especificas
(econômicas, culturais, políticas, naturais).